sexta-feira, 28 de abril de 2017

Ah, era uma pessoa tão boa!


Já fui muito criticada por amigas que rasgavam a seda em prol de avós e tias e eu rebatia dizendo "não sei que sentimento é esse que você nutre por tais pessoas". Depois de um certo tempo aprendemos que não é porque não deu certo para você que não dará com mais ninguém. Então, como a minha convivência com avós e tias não deu "futuro", não será da mesma forma com as outras pessoas.

Meus avós não aceitaram o casamento do meu pai com minha mãe. Logo, não aceitaram os frutos desse relacionamento. Vivi anos e anos vendo meus avós - e tias - destratarem minha mãe, vivemos anos presos dentro de uma casa não podendo brincar no quintal que as minhas primas faziam o verdadeiro inferno. 

Poucas vezes conversei com meu avô e eu gostava das nossas conversas. Mas o tratamento que os netos e sobrinhos recebiam, eu nunca recebi. Nunca tive aquele sentimento de "se as coisas apertarem aqui em casa, vou correndo pra casa da vó que ela me salva". Durante algum tempo invejava minhas amigas que não saíam da casa dos avós, eram bajuladas e mimadas por eles.

Então meu avô ficou muito doente e tinha poucos dias de vida. Estava com o coração muito grande e um tumor inoperável no pulmão. Eu via o desespero no olhar da minha avó, tias e primas, mas eu não conseguia compartilhar do mesmo sentimento. Quando soube que ele morreu, recebi a notícia como se quem tivesse morrido era um estranho. 

No velório ouvia minhas primas e tias contando histórias sobre meu avô... elas riam e choravam... faziam carinho no rosto gélido do meu avô. Sério, eu quis morrer quando ouvi "Ah, ele era uma pessoa tão boa!", porque na realidade ele não era, não pra mim e para minha família...

Quando eu ouvi a tal frase, tentei lembrar alguma coisa boa dele... sim, sério! Mas na minha mente só vinha coisas negativas: ele não trazia provisão para o lar, quando recebia o salário gastava nos prostíbulos; meu pai, trabalhando ainda menino de engraxate ao vê-lo numa praça, ao ir de encontro a ele, meu avô disse: "Sai daqui que eu não te conheço"; quando minha mãe estava grávida, disse que o filho não era do meu pai; tirou o cinto pra dar uma surra na minha mãe; durante anos e anos jogava praga e xingava, não importava a quem se destinava tais palavras; era racista e deixava isso bem claro à melhor amiga de minha mãe (essa sim é como uma tia que nunca tive). Não lembrei de nenhuma palavra de carinho ou incentivo, nada... pra mim ele não era uma boa pessoa. E não foi porque morreu que passou a ser.

Minha vó ainda é viva, já passou da casa dos 90. Mesmo estando longe geograficamente, não me recordo de coisas boas referente a ela. Acho que a única foi quando tive meu primeiro filho e ela foi até onde eu estava pra conhecer o Pedro. Ela o pegou no colo, ninou, disse que era lindo e contou histórias sobre o nascimento do meu pai que deu a entender que ele era prematuro quando nasceu, assim como meu filho. Só isso. Não tenho mágoas, nem raiva, isso já foi superado, porém não existe uma ponte que ligue a gente. E acho que no dia em que receber a ligação dizendo que ela morreu, será da mesma forma do dia da morte do meu avô. Eu sei que no velório minhas tias e primas resgatarão histórias antigas sobre ela entre risos e lágrimas. Também sei que vou escutar "Ah, era uma pessoa tão boa!" e sei que vou me relembrar de que ela não foi... não para mim.


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Oleh

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